Público de 6 de Julho de 2007
Nesta semana mais musical, por assim dizer, comoveram-me particularmente o rapaz e o velho fadista mas também a voz do João a cantar no duche. Explico melhor.
João é outro rapaz sobre quem já escrevi muitas linhas nesta página. Há cerca de três meses teve um acidente muito grave que o deixou entre a vida e a morte durante semanas a fio. João tem 19 anos, estuda, faz surf, joga futebol e é um desportista nato. Giro como poucos, está sempre bem disposto e espalha uma alegria contagiante à sua volta. Amigo de muitos amigos, João sempre fez a vida que se faz nestas idades: aulas, (pouco) estudo, (muitas) saídas à noite, horas seguidas no computador e todo o tempo possível para estar com os amigos.
Na noite do acidente, João tinha ido com o seu grupo ao Lux e num gesto inadvertido subiu os degraus de um velho comboio de mercadorias que estava parado num terminal de comboios que parece abandonado, mesmo ao lado do rio. O facto de se ter aproximado de um cabo de alta tensão e de ter entrado num arco voltaico (julgo que se pode dizer assim) fez com que se incendiasse e ficasse com queimaduras muito graves em mais de 60% do corpo. Abreviando uma história que foi particularmente dolorosa para ele e para quem esteve mais próximo, o João conseguiu sobreviver apesar da extensão da área queimada e da profundidade de algumas queimaduras.
João não tem pai e vive há muitos anos com o tio Manel que, apesar de ter apenas 35 anos, não ser casado nem ter filhos, é mais do que um pai para ele.
Assisti ao calvário diário do Manel nas longas semanas em que o João permanecia em perigo de vida, partilhei o sofrimento de toda a família e vivi com surpresa e exaltação todas as melhoras e conquistas do João. Vi o Manel cuidar dele com amor, li o que foi escrevendo num blog que criou para dar notícias sobre ele e todos os cuidados com que o acompanhou durante os meses em que esteve internado na Unidade de Cuidados Intensivos. Vi-o enche-lo de beijos na testa enquanto ele dormia, dar-lhe a mão mesmo quando ele não sentia, escrever-lhe coisas em folhas de papel quando ele estava acordado mas não podia falar e permanecer firme e confiante à sua cabeceira dias inteiros.
Vi-o rir para ele e com ele mas também o vi chorar quando o João não podia ver.
E é por isso que o mail recebido esta semana, a contar simplesmente que o João estava a cantar no duche me comoveu particularmente.
Laurinda Alves
sábado, 7 de julho de 2007
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